Contexto da primeira carta de Paulo aos Coríntios
Pode parecer estranho, mas a primeira carta de Paulo aos irmãos na cidade de Corinto foi, na verdade, a segunda. No capítulo 5, verso 9, podemos ler o seguinte: “Já por carta vos tenho escrito, que não vos associeis com os que se prostituem;” (1 Coríntios 5:9). Isso nos leva a entender que o texto que consideramos como primeira carta de Paulo aos Coríntios pode ter sido a segunda, terceira ou até quarta correspondência com eles.
Esta epístola foi escrita na cidade de Éfeso (1Co 16:8), que foi o principal centro de suas atividades durante a terceira viagem missionária (At. 19, 20:1). Paulo estava prestes a partir para a Grécia e Macedônia quando a epístola foi escrita, mas esperava permanecer em Éfeso “até o Pentecostes” (1Cor 16:5-8). Apesar disso, algumas circunstâncias anteciparam sua partida (At 19:21-20:3). Essas observações datam a carta na primavera de 57 d.C.
A igreja de Corinto foi estabelecida por Paulo durante sua segunda viagem missionária. Ele ficou em Corinto por, pelo menos, 18 meses. Ali, apesar de um trabalho árduo, teve êxito e estabeleceu uma igreja próspera (Atos 18:1-11). A principal divindade da cidade de Corinto era Afrodite, deusa do amor e da sensualidade. Estrabão, históriador grego, escreveu em sua visita à cidade no ano 20 d.C. que no templo de Afrodite havia 1000 jovens que trabalhavam como prostitutas públicas diante do altar da deusa do amor. Em Corinto também havia o templo de Apolo, mais um indício da presença e poder da idolatria nesta cidade.
O templo de Afrodite já foi tão rico que adquiriu mais de mil prostitutas, doadas por homens e mulheres ao serviço da deusa. E por causa deles, a cidade costumava ficar lotada e ficou rica. Os capitães dos navios gastavam fortunas lá, e assim diz o provérbio: “A viagem a Corinto não é para qualquer homem”.
Estrabão, ano 20 d.C.
Mesmo com tanto paganismo, licenciosidade e prostituição, o Evangelho triunfou em Corinto. Como disse W. D. Chamberlain:
Se o evangelho pôde triunfar em Corinto, pode vencer sob qualquer circunstância.
W. D. Chamberlain
O que consideramos como a primeira carta de Paulo aos coríntios tinha o objetivo de resolver alguns problemas:
- Facções tinham debilitado a igreja.
- Uns se diziam seguidores de Paulo
- Outros de Apolo (1Cor 1:12, 3:4, At. 18:24-19:1)
- Alguns de Pedro (1Cor 1:12)
- Outros apenas de Jesus (1Cor 1:12).
- Muitos cristãos haviam voltado aos seus velhos hábitos de idolatria (1Cor 5).
- A igreja estava desacreditada pois os irmãos de Corinto levavam suas desavenças da igreja para serem julgadas em tribunais da cidade.
- Ceia do Senhor havia se tornado apenas uma ocasião para banquetes (1Cor 11:17-34)
- Problemas sociais relacionados ao casamento (1Cor 7)
- Consumo de alimentos sacrificados a ídolos (1Cor 8)
- Problemas de conduta das mulheres durante o culto público (1Cor 11:2-16)
- Má compreensão quanto aos dons espirituais (1Cor 12-14)
- Até alguns céticos quanto à ressurreição (1Cor 15).
Objetivo da carta aos Coríntios
Portanto, há dois propósitos principais nesta carta de Paulo:
a) reprovar a apostasia, que tinha provocado naquela igreja a introdução de práticas que corrompiam o ensino do evangelho;
b) ensinar ou explicar os pontos de crença e de prática a respeito dos assuntos sobre os quais os irmãos de Corinto haviam pedido ajuda. É importante ressaltar que Paulo não condenou nem mostrou indulgência em relação aos pecados que eles cometiam. Ele foi imparcial na sua condenação e não buscou adular ninguém nem encobrir a transgressão.
Mesmo com tantos problemas a igreja em Corinto ainda era especial para Paulo, o que o levou a escrever diversas cartas para tratar destes assuntos. Agora trataremos sobre algumas compreensões atuais equivocadas quanto aos versículos do capítulo 8 que falam sobre o respeito com os fracos na fé.
Erros de interpretação
As citações de Paulo com relação aos fracos na fé geralmente são interpretadas de maneira errada por aqueles que querem se mostrar superiores. Normalmente quando há algum debate ou discussão na igreja, alguém precisa ceder. Quando isso acontece o lado que cedeu utiliza a retórica do “amor pelos mais fracos” para justificar sua renúncia. Não como reconhecimento de que errou, mas como um ato de nobreza.
Versículos como os dos capítulos 8, 9, 10, sempre são utilizados por aqueles que se julgam fortes na fé e que, por um ato da sua grande misericórdia e conhecimento teológico, “abrem mão” daquilo que acham certo em prol daqueles inferiores que são considerados “fracos na fé”.
A desculpa sempre é a mesma: “para não escandalizar”, “para não fazer cair”, “para não fazer tropeçar”. O “outro” sempre é o fraco. São os fortes que abrem mão daquilo que têm certeza que não é errado. Na visão de quem usa esse argumento não há a menor possibilidade deles estarem enganados. Eles são as vítimas altruístas de irmãos menos esclarecidos e mais fracos na fé. Esta postura demonstra, muitas vezes, a incapacidade de reconhecer seus erros ou de submeter seus gostos pessoais aos ensinamentos bíblicos.
Este comportamento pode ser visto no consumo músicas, leituras, relacionamentos, entretenimentos ou qualquer outro tipo atitude que escandalize os irmãos. Os “fortes na fé” nunca irão admitir que o estilo de música que consomem, por exemplo, seja errado. O problema está no outro. Naqueles que, de acordo com seu ponto de vista, não são tão maduros para consumir tal estilo musical. Mas, em primeira instância, é importante saber que 1 Coríntios 8 não tem nada a ver com entretenimento ou outras discussões atuais.
Contexto relacionava adoração e alimentação
No capítulo 8, Paulo conversa com os irmãos sobre o consumo de coisas sacrificadas a ídolos.
No que se refere às coisas sacrificadas a ídolos, reconhecemos que todos somos senhores do saber. O saber ensoberbece, mas o amor edifica.
1 Coríntios 8:1
A preocupação de Paulo era que alguns irmãos não conseguiam consumir carnes que sacrificadas a ídolos sem separar isso do culto às divindades da cidade (1Cor 8:10). É preciso lembrar que o consumo de carne nos templos, assim como a prostituição, fazia parte dos rituais e adoração daqueles deuses. Como nem toda carne oferecida nestes rituais era consumida, boa parte dela acabava sendo vendida em mercados ao redor do templo. Muitas pessoas, mesmo depois de sua conversão ao cristianismo, ainda compreendiam aquelas carnes como algo especial, parte da adoração aos seus antigos deuses. Isso criava confusão em sua mente e os levava, muitas vezes, a produzir uma mistura entre as crenças de sua nova fé e suas antigas práticas pagãs. Comer este tipo de carne poderia levar os cristãos fracos a frequentar novamente os templos e retornar ao seu antigo estilo de vida errado.
Nos versículos 7 e 10 Paulo utiliza a palavra “consciência” (συνείδησις) para se referir à “capacidade de distinguir entre o que é moralmente bom e mau, levando a fazer o primeiro e evitar o segundo, elogiando um, condenando o outro”. Estas pessoas ainda não tinham discernimento o suficiente para distinguir claramente entre que é lícito para um cristão e aquilo que não é.
Paulo menciona que o alimento em si não tem poder algum (1Cor 8:4-6). O que fazia e faz a diferença é a nossa compreensão quanto à adoração. Tudo o que fazemos expressa a quem adoramos e como adoramos. O problema não está na comida, mas no que ela representa dentro de um contexto de adoração. É importante que ressaltar que em 1Cor 8 Paulo não está falando do consumo da carne de qualquer animal. Ele não aboliu os princípios alimentares de Levíticos 11. Assim como o sonho de Pedro do lençol repleto de animais também não. Nesta perspectiva podemos entender que o debate não era sobre uma liberação para comer porco, mas se carne de vaca sacrificada a ídolos deveria ser comida ou não.
Por que é importante saber disso? Porque sempre houve limites bem claros quanto ao que deveria ser feito ou não em relação à adoração. Havia carnes de animais limpos e imundos. Os animais imundos nunca deveriam ser consumidos. Havia carne de animais limpos mortos dentro e fora dos templos. Se a carne de animais puros pudesse levar alguém a praticar novamente idolatria, ela também deveria deixar de ser consumida.
Sabendo disso poderíamos fazer a seguinte analogia: há filmes limpos e imundos. Filmes imundos nunca devem ser consumidos. Se filmes limpos me levam à compreensões erradas sobre a fé ou me fazem voltar à velhas práticas, também devem deixar de ser consumidos.
A luta entre fortes e fracos na fé
Como mencionei, há um grupo de pessoas que acreditam que são fortes na fé. Todos os que discordam de suas ideias são os fracos. Geralmente este é um debate que ocorre entre conservadores e liberais nas igrejas. O outro sempre é o fraco. Eu, por causa de minha “maturidade” na fé, demonstro minha grandeza abrindo mão daquilo que ofende meus irmãos mais fracos. Mas o ponto principal não é este. Não é um combate para mostrar quem apresenta mais virtudes. Tem a ver com o fato de que os “fortes” podem estar errados e levando outros a errar.
Quando os que se acham fortes mudam de atitude, não o fazem por terem percebido que estão levando pessoas ao pecado. Eles mudam para demonstrar, apenas, que são melhores que seu críticos. E, na maioria das vezes, os críticos não são os maiores prejudicados por suas ações.
Falei acima que esta é geralmente uma briga entre conservadores e liberais. Talvez você já tenha visto isso em sua igreja. Vamos pegar este exemplo. Irmãos que defendem ideias liberais chamando conservadores de fracos na fé porque eles não concordam com suas ideias. Nesta situação os liberais se esquecem os verdadeiros fracos são aqueles que podem vir a concordar com as suas ideias e acabar se afastando do verdadeiro cristianismo. O mesmo pode ser dito de conservadores contra liberais.
E aqui fica uma reflexão: os fracos, na maioria das vezes, podem ser aqueles que concordam com você, e não aqueles que discordam. E se os fracos são aqueles que concordam com aquilo que penso, isso faz de mim um…?
Se os fracos são aqueles que concordam com o que penso, isso faz de mim um…?
Para refletir
O que devo fazer?
O primeiro passo é reconhecer que há uma verdade absoluta que está acima daquilo que você gosta ou acha. Esta verdade está presente na Palavra de Deus. O segundo passo é entender que abrir mão de algumas coisas em benefício daqueles que eu considero fracos não me torna mais forte e não faz com que minhas ideias estejam corretas.
Paulo, em todo o livro de 1° Coríntios, trabalha a ideia do amor ao próximo e da preservação das verdades do evangelho acima dos próprios gostos ou opiniões pessoais. Por mais tempo que você tenha igreja, por mais conhecimento teológico ou técnico que possua, você tem responsabilidades em relação aos irmãos mais fracos na fé. Fazer com que alguma destas pessoas fracasse na fé, é um pecado contra o próprio Jesus. Como disse Paulo:
E deste modo, pecando contra os irmãos, golpeando-lhes a consciência fraca, é contra Cristo que pecais.
1 Coríntios 8:12
Existem coisas ruins que devem ser evitadas a todo custo e coisas boas que devem ser evitadas quando prejudiciais. Se determinado estilo musical não te afeta, não quer dizer que seja uma coisa boa. Muito menos que isso não afetará outras pessoas. Sua preocupação não deve ser com aqueles que não consomem os mesmos filmes, séries e músicas que você, mas com aqueles que consumindo isto acabem voltando à velha vida.
A preocupação de Paulo era de que os irmãos em Corinto fortalecessem uns aos outros. Este também deve ser nosso objetivo. Este conceito é mais importante do que ter razão ou liberdade (1Cor 8:9).
FONTES
Comentário Bíblico Aventista – Volume 6
4 thoughts on ““Pelos Fracos na Fé” e o falso amor ao próximo”